Guto Ferreira
Guto Ferreira, ou Augusto Sérgio Ferreira para os mais formais, é daqueles nomes que ecoam nos vestiários e nas arquibancadas do futebol brasileiro sem alarde excessivo. Nascido em 7 de setembro de 1965, em Piracicaba, interior de São Paulo, ele carrega nas veias o cheiro de grama molhada das escolinhas e o suor das quadras esportivas. Aos 60 anos, Guto não é o tipo de técnico que grita manchetes todos os dias, mas sim aquele que constrói castelos tijolo por tijolo, com paciência e um olhar afiado para o coletivo. Sua trajetória, marcada por idas e vindas entre clubes grandes e médios, reflete o próprio futebol do país: cheio de reviravoltas, mas sempre com um pé firme na tradição.
O que torna Guto especial não é só o currículo recheado de acessos e taças regionais, mas a forma como ele se reinventa. De um garoto que trocou o vôlei pelo futebol por acaso a um comandante que, em novembro de 2025, coloca o Remo na briga pelo retorno à elite após 32 anos. É uma história de persistência, onde o equilíbrio entre defesa sólida e transições rápidas vira receita para vitórias inesperadas. Vamos mergulhar nessa jornada, desde as raízes em Piracicaba até o calor da Curuzu, em Belém.
As Raízes: Do Vôlei à Escolinha de Futebol
Tudo começou longe dos holofotes. Guto cresceu em Piracicaba, uma cidade que respira esporte. Filho de uma família simples, ele se destacou no vôlei, virando um dos melhores jogadores locais na adolescência. Competiu também em futsal e basquete nas Olimpíadas Estudantis, mostrando versatilidade que mais tarde se revelaria no futebol. Formado em educação física pela Universidade Metodista de Piracicaba em 1985, ele parecia destinado a uma carreira atlética convencional.
Mas o destino, ou um “quebrar galho”, mudou tudo. Aos 16 anos, enquanto estudava no Colégio Católico, da Congregação Salesiana, Guto foi chamado para comandar a escolinha de futebol da escola. O treinador original faltou, e ele, com seu background multiesportivo, topou o desafio. “Foi só para ajudar, mas viciei”, costuma contar em entrevistas descontraídas. Dali, migrou para as bases do XV de Piracicaba, seu time de coração. Como jogador, atuou nas categorias de base, mas logo assumiu o banco, conquistando a Copa São Paulo de Futebol Juvenil em 1992.
Essa transição do vôlei para o futebol não foi aleatória. O vôlei lhe ensinou disciplina tática e leitura de jogo em espaços reduzidos – lições que ele leva para o gramado até hoje. Em Piracicaba, Guto aprendeu a lidar com meninos de rua, a motivar sem impor, e a ver o esporte como ferramenta de transformação. Passou pelas bases do São Paulo, vencendo o Campeonato Paulista Juvenil em 1993 e o Torneio Sul-Americano Sub-16 em 1995, e depois pelo Internacional, onde o fogo pelo profissional se acendeu de vez.
Ascensão: Primeiros Passos no Profissionalismo
A virada para o profissional veio em 2002, no Internacional. Aos 37 anos, Guto assumiu o time principal do Colorado e, na mesma tacada, ergueu o Super Campeonato Gaúcho. Foi o primeiro título grande, um gauchão que misturava o estadual tradicional com uma supercopa inédita. Ali, ele mostrou o DNA: um 4-4-2 sólido, com laterais que sobem como flechas e meio-campo que protege a zaga como um muro.
Mas o futebol brasileiro não perdoa inexperientes. Após o Inter, veio uma fase de aprendizado nômade. Em 2003, treinou o Noroeste, de Bauru, e partiu para Portugal, assumindo o Penafiel e a Naval. Na Europa, enfrentou o rigor tático do futebol lusitano, adaptando-se a elencos mais disciplinados e torcidas exigentes. “Portugal me ensinou paciência”, diria anos depois. De volta ao Brasil em 2005, pegou o Corinthians-AL, mas o grande salto veio em 2011, com o Mogi Mirim.
No Itapira, Guto levou o Sapo para a Série C, vencendo o Campeonato Paulista do Interior em 2012. Foi um acesso suado, com futebol prático: contra-ataques letais e uma defesa que engolia bolas. Dali, pulou para o ABC, Criciúma e, em 2012, a Ponte Preta. Na Macaca, viveu o auge inicial: vice-campeão da Série B em 2014, garantindo a Série A após 37 anos de jejum. Em Campinas, ele se tornou ídolo, com o Paulista do Interior de 2015 como cereja no bolo.
Esses anos foram de consolidação. Guto não era o “técnico da moda”, mas o cara que chega, organiza e entrega resultados. Sua personalidade discreta – apelidados como “Gordiola” (pela semelhança física com Pep Guardiola) ou “Peter Griffin” pela torcida – esconde um líder que valoriza o diálogo. Ele incentiva terapias mentais para jogadores, algo que adotou pessoalmente no Sport em 2024, e crê na fé como combustível coletivo.
Passagens Marcantes: Clubes, Conflitos e Legados
A década de 2010 foi um carrossel para Guto. Em 2015, assumiu a Chapecoense, transformando o Verdão do Oeste em sensação. Venceu o Catarinense de 2016, com um futebol coletivo que ecoava o “Chape de 2016”, pré-tragédia. Mas a vida o levou para o Bahia em 2016, onde acessou a Série A e faturou a Copa do Nordeste de 2017 – sua primeira taça nacional expressiva.
No Tricolor baiano, Guto voltou em 2018 e 2021, sempre resgatando o time da zona de rebaixamento. “Bahia é paixão pura”, define ele. Depois, Internacional de novo em 2017 (outro acesso à elite), Sport em 2019 (Pernambucano nos pênaltis contra o Náutico) e Ceará em 2020. No Vozão, brilhou com a Copa do Nordeste invicta de 2020, reinventando o time com transições rápidas inspiradas no futsal – esporte de sua juventude.
Os anos 2020 trouxeram mais rodízio: Coritiba em 2022 (salvou da degola), Goiás em 2023, Ceará de novo, Sport mais uma vez em 2024 e Cuiabá em 2025. No Dourado, vice-campeão mato-grossense, mas saiu em meio a turbulências. Cada passagem deixa rastro: no Sport, dois acessos tentados; no Ceará, eficiência defensiva que o rendeu elogios como “mais Simeone que Guardiola”.
Guto é mestre em crises. Chega a clubes em ebulição, acalma vestiários e impõe equilíbrio. Seu estilo? Nada fixo. “Não tenho esquema definido, adapto ao elenco”, confessou em 2024. Prefere 4-2-3-1 para compactar linhas, com volantes que “quebram” jogadas como no handebol. Defensivamente impecável – times dele sofrem pouco –, ofensivamente pragmático, com bolas longas para atacantes velozes.
Títulos e Conquistas: O Legado em Números
O palmarés de Guto é de quem joga o longo prazo. Além do Gauchão de 2002, tem dois Catarinenses (2016 com Chape), dois Pernambucanos (2019 com Sport), Baiano de 2018 e acessos memoráveis: Mogi Mirim (Série C, 2012), Ponte Preta (Série A, 2014), Bahia (Série A, 2016), Internacional (Série A, 2017), Sport (Série A, 2019). A Copa Verde de 2023, com o Goiás, e vices como o mato-grossense de 2025 completam o quadro.
São sete regionais, duas Copas do Nordeste e múltiplos acessos – quarto na carreira até 2019. Não é o rei das Libertadores, mas o arquiteto de renascimentos. Seus times vencem por eficiência: em 2021, no Ceará, era o mais letal em contra-ataques da Série A.
Estilo de Jogo e Filosofia: Equilíbrio Acima de Tudo
Guto Ferreira não é de modismos. Critica a febre de estrangeiros no Brasil – “país de modas passageiras”, como disse em novembro de 2025 –, defendendo processos contínuos. “Resultados vêm de tempo, não de nomes badalados.” Sua tática? Blocos compactos, transições velozes, defesa em 4-4-2 que vira muralha. Influenciado pelo vôlei, valoriza deslocamentos rápidos e leitura coletiva.
Pessoalmente, é o oposto do holofote. Faz terapia para “manter a cabeça boa”, crê na fé como energia – especialmente no Remo, com o fervor do Círio de Nazaré. “Seja positivo, confiante. O futebol é mental.” Jovens da base? Adora promovê-los, como Raí no Bahia em 2021.
Atualidade no Remo: O Sonho do Acesso em 2025
Setembro de 2025: Guto chega ao Remo, 12º na Série B, sob pressão. Estreia com vitória, e o que se segue é mágica. Seis triunfos seguidos – incluindo 3-1 no Cuiabá, melhor mandante da liga – catapultam o Leão Azul para terceiro, com 57 pontos. A torcida de Belém explode: rival Paysandu batido fora, Curuzu lotada.
“Estamos construindo processo”, diz Guto em entrevista ao Estadão, em 1º de novembro. Fala de um grupo “interessante e competitivo”, com evolução tática: Jaderson como volante híbrido, linha de cinco em marcação. O acesso à Série A, após 32 anos, vira obsessão. “Há forças internas e externas, como a fé do povo aqui.” Com jogos decisivos pela frente, Remo sonha alto, e Guto, sereno, pilota o barco.
Conclusão: Um Treinador para o Futebol Real
Guto Ferreira é o futebol brasileiro em pessoa: resiliente, adaptável, humano. De Piracicaba ao Baenão, ele prova que títulos nascem de paciência, não de pressa. Em 2025, com o Remo na crista da onda, sua lição ecoa: o jogo é coletivo, o sucesso é processo. Enquanto o Brasil discute modas, Guto segue vencendo no que sabe: unir raiz e ambição.